Passo a passo, sabes que chegou a hora. Sabes que está à solta o lobo que te persegue na tua floresta, no teu sono. Sabes que não podes fazer muito mais para o enganar. Corres para enganar esse teu desejo de morte, da tua morte, corres sem que possas ver o caminho que trilhas. Soltaste a tua vida, deixaste que ela fosse a tua sombra mais escura. Corres, talvez em círculos, traçando uma espiral que te envolve, que não controlas e que acabará por consumir. Podias ter sido outro. Podias ter-te libertado sem dor. Agora resta o que resta e o que resta pode ser pouco mais que nada. Adormece.
Corre a vida em ti, morna, espessa. Abres-lhe a porta para que possa fluir. Deixas-te arrefecer na entrega, deixas que te tome o frio e te envolva, te tome nos braços como a um amante, sem concessões. Deixas que isso seja algo como ser feliz e fechas os olhos, lentamente. Ouves ao longe um murmúrio tranquilo, uma voz familiar. Hoje adormeces em paz.